[Resenha] A Nova República

"Um grupo separatista de Barba, península ficcional de Portugal, comete atentados terroristas como estratégia para conquistar sua independência. Os Soldados Ousados de Barba aterrorizam a comunidade internacional com ações implacáveis e imprevisíveis, e a autodeterminação da península tornou-se um tema central e de grande repercussão política. Para cobrir as atrocidades, correspondentes estrangeiros se concentram na lúgubre e atrasada Cinzeiro, capital de Barba. E mais um acaba de chegar.
Edgar Kellogg sempre quis ser popular. Outrora uma criança gorda e rejeitada, construiu sua vida sem grande imaginação, mas com muita persistência. Quando decide largar a lucrativa e entediante carreira como advogado em Nova York em busca da emoção e da incerteza do jornalismo, Edgar se vê diante da oportunidade de substituir, em Barba, um correspondente misteriosamente desaparecido: Barrington Saddler. Mas sua tarefa não será fácil. Excepcional e carismático, o amado “Bear” impregna a vida de todos com o vazio de sua ausência. E até mesmo os atos terroristas dos Soldados Ousados parecem ter sido subitamente suspensos após o desaparecimento do jornalista". - Sinopse.





NÃO HÁ COMO FUGIR

Lionel Shriver tem o grande dom de fazer histórias comuns, narrativas extraordinárias. Geralmente, seu ponto de partida é com um personagem nada especial em um ambiente desinteressante e com um passado insosso. Parece ser uma fórmula pronta e fadada ao fracasso, mas a trama sempre toma um volume absurdo e, de forma quase masoquista, faz o leitor ansiar pelo desconforto em descobrir o próximo passo do protagonista.

É o que acontece com Edgar Kellogg, um homem de quase quarenta anos, advogado em Nova Iorque, que é insatisfeito com a própria vida em todos os aspectos possíveis. Entretanto, o que mais o incomoda é a sensação de sempre estar em segundo lugar, nunca ser o adorado... Nunca se destacar na multidão. O apelo do livro é justamente a identificação do leitor com esse sentimento. Todo mundo – absolutamente todo mundo – já quis ser o melhor em alguma coisa, algum dia. É verdade que, para Edgar, a referida vontade é maximizada por toda a humilhação que ele sofreu durante sua infância e adolescência, por conta de sua obesidade. Por isso, Kellogg cria uma espécie de tendência a idolatrar quem é melhor do que ele e, ao mesmo tempo, se esforça para, mentalmente, diminuir todos com quem entra em contato: obviamente, uma busca conflitada.

Quando decide largar a carreira no Direito para ser correspondente substituto na detestável Barba (lar de uma organização terrorista), ele espera finalmente fazer algo substancial de sua vida. Depara-se, então, com o nome e reputação de Barrington Saddler, uma representação de pessoas que ele venerara e odiara sua vida toda. Começa uma tentativa para ser aceito como alguém tão bom quanto seu predecessor desaparecido, não só profissionalmente, como também no círculo de bajuladores que, sem Saddler, tornou-se um grupo de jornalistas amargos. Esses personagens são brilhantemente construídos e cheios de facetas que, apesar de surpreendentes, são de uma coerência e humanidade (nem sempre no melhor sentido) ímpares.

Enquanto isso, essa pequena península de Portugal fervilha com os atentados ao redor do mundo ligados ao SOB (Soldados Ousados de Barba) e a correria da imprensa para notificar os acontecimentos. Lionel Shriver aproveita essa parte da história para satirizar o comportamento manipulador que o jornalismo, muitas vezes, assume. Na história, os artigos são usados para os mais diversos fins – muitas vezes, longe da verdade - e fazem o leitor questionar a confiabilidade das informações que recebemos todos os dias pelos veículos de comunicação.

A Nova República é, além de ótima ficção, uma declaração política e um estudo social. 
Declaração política pela reflexão que provoca em mentes habituadas às mentiras açucaradas da mídia, e o desafio a todos os posicionamentos radicais geralmente baseados no jornalismo sensacionalista (tão adorado no Brasil!); estudo social pela análise do primitivo no homem: a ambição. Nada mais natural – e, a partir de certo ponto, doentio- do que querermos ser o que não somos. Talvez não haja como fugir.


14 comentários

  1. o livro deve ser bom, mas nao me interessou, prefiro uma leitura mais leve, obrigada pela resenha. :)

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  2. De nada, Emanoelle. Obrigada por ler. Abraço!

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  3. Recentemente, acabei de ler 1984, do George Orwell, e pela resenha, ficou impossível não compará-lo a "Nova República". Pode parecer uma leitura cansativa - e em algumas partes são mesmo -, mas são histórias muito bem traçadas, que ativa nossa imaginação e ao mesmo tempo nos faz refletir (e abrir os olhos) para situações aparentemente comuns do cotidiano.

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    1. Ótima comparação, Glabelly. É isso mesmo. Recomendo muito o livro. Obrigada por ler! Abraço!

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  4. A resenha esta ótima, mas não senti uma conexão com a estória. Não é meu tipo de leitura, mas quem sabe né...

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    1. Entendo, Anelise. Mas, caso mude de ideia, eu recomendo bastante este livro. E muito obrigada por ler! Abraço!

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  5. Olá, Ana Paula!
    Nunca li um romance político (sou mais adepta dos romances policiais), mas esse é realmente interessante. Apesar de ser uma ficção, ele parece tão real que é quase impossível não comparar alguns detalhes a eventos atuais. Gostei da resenha.
    Abraço!

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  6. Embora você tenha falado super bem do livro e ter gostado da sinopse do livro eu não leria, nan, existem muitos romances no mundo para me prenderem. Esse eu passo.
    Mil beijos.

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    1. Entendo, Liih, mas eu diria pra você dar um chance a outros estilos (não necessariamente esse livro), sem abandonar o seu favorito... Sempre é bom descobrir novos gostos, concorda? Abraços!

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  7. Acho super bacana isso de a Shriver usar temas polêmicos para fazer suas histórias, e apesar de ainda não ter lido nada dela, tenho certeza que vou gostar pra caramba. Já tenho o Dupla Falta e o Tempo é Dinheiro. O que mais queria na verdade era o Kevin, mas me recuso com a capa do filme. Com toda certeza terei que encontar uma forma de ler Nova República, amei *---*

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    1. Assim que encontrar o Kevin com capa original, LEIA! Hahaha E "O mundo pós-aniversário", também!

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  8. Oi, Ana! Tudo bem?
    Já faz tempo que estou de olho nesse livro. Tenho todos os livros da Lionel publicados até hoje no Brasil, menos esse. Fico impressionada o quanto ela gosta de abordar temas nada leves que nos deixa incômodos por conter situações tão reai. Vemos o quanto as personagens são cheias de realidade, são elaboradamente tão humanas que nos assustam. Todas apresentam tantos problemas, o que nos leva ao mundo real. É impressionante! Adorei a resenha! A propósito, Precisamos Falar Sobre o Kevin é meu livro favorito. Bjs,

    www.estranhoscomoeu.com

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  9. Ainda nao cheguei nem a página 200 do livro, a narrativa é legal, ta tudo ok, mas até agora nao aconteceu nada e to me cansando!
    Nao li todo sua resenha, por medo de spoiler, vou continuar tentando ler o livro....
    mas to com medo de desistir antes do fim

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  10. terminei o livro e é realmente chato
    a autora se perde falando do mil vezes das caracteristicas de Barrington e voltando o tempo todo como Kellog amargou por ser gordo. Livro chato, enfadonho... acho q o unico livro dela que presta é precisamos falar com Kevim mesmo.
    A Nicola dava sono de tao chata, se fosse um so personagem bobo, ainda ia, mas o excesso de caracterização, acabou com o livro. Barrington era uma copia do Falconer. Mtooo chato

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